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Meus filhos não gostam de ler. E agora?!

O Andreyev me mandou um link pro diário do Mentor Muniz, mais precisamente pro post no qual ele conta sobre a sua árdua luta pra manter o nível de leitura de suas filhas. Eu também tenho uma filha de sete e um filho (que perigo) pré-adolescente e achei o relato muito interessante. Só que, infelizmente, ele não achou uma fórmula mágica...

Aqui em casa eu tenho tentado ler junto com o Tiago há vários anos. Normalmente na cama, antes de dormirmos. Noto que ele gosta. Ele interage, ri e comenta. Quando vamos retomar a leitura ele quase sempre se lembra de onde paramos na véspera mais facilmente do que eu.

Mas ele gosta quando eu leio em voz alta pra ele. Ele mesmo não quer ler em voz alta pra mim. Cheguei a pensar nos últimos tempos em oferecer um prêmio financeiro por livro lido, mas temo que isso acabe passando a ideia de que a leitura não passa de um "trabalho enfadonho".

A Ju já tem pedido pra comprar livros de estórias e já leu um inteiro sozinha. Mas ainda não comecei a tentar estimulá-la oficialmente...

Eu, que sempre gostei de ler, não tenho certeza de como é que isso começou. Sempre achei que deve ter sido algum dos primeiros livros que eu li que me fisgou. Li "A Ilha Perdida" aos 8 anos e me lembro que gostei tremendamente. Depois foram outros livros da Coleção Vaga-Lume, lembram? "O Escaravelho do Diabo" era ótimo! Depois vieram os livros da Agatha Christie, dos quais eu devo ter lido uns 40. Este mês reli "O Caso dos Dez Negrinhos" (que foi retraduzido e renomeado como "E Não Sobrou Nenhum") com o Tiago e ele gostou bastante. Mas eu li todo ele em voz alta...

Outra série que o Mentor comenta e que eu li toda pro Tiago é a da Turma do Gordo, cujo primeiro é "O Gênio do Crime". Os dois ou três primeiros livros da série são muito legais mas depois as estórias começam a ficar muito surreais e sem graça.

Eu não sei se ainda não consegui encontrar o tipo de livro que vai "fisgar" o Tiago ou se a prática de ler em voz alta acaba deixando-o mal-acostumado ou, ainda, se a solução é outra ou se não tem mesmo uma solução...

Alguma idéia?


(Eu ia postar o seguinte como comentário, mas acho que faltou mesmo dizer porque que eu acho a leitura importante.)

Eu também acho que a leitura vai se transformar nos próximos anos. Não há como evitar. Mas se as vendas recentes do Kindle da Amazon indicam alguma coisa não é que a leitura de livros vai deixar de existir por completo.

Por que eu gostaria de cultivar o hábito da leitura nos meus filhos? Em parte é um tanto óbvio, mas há alguns argumentos que eu li recentemente que trazem à luz algumas razões mais específicas.

Um deles é o artigo do Nich Carr chamado Is Google Making Us Stupid?, no qual ele sugere que "na medida em que nós vamos perdendo o nosso repertório interno de uma densa herança cultural nós nos arriscamos a nos transformar em "pessoas panquecas", espalhando-nos de modo largo e raso enquanto nos conectamos à vasta rede de informações acessíveis ao mero toque de um botão". (Inspirador, não?)

Tem também um excelente artigo do Keith Stanovich, What Reading Does for the Mind?, no qual ele mostra evidências de como a quantidade de leitura (independente da qualidade, aliás) na infância tem consequências mensuráveis no nível de inteligência do adulto. E o mais impressionante é que quanto mais cedo a criança adquire o hábito, maiores são as consequências...

Agora dá licença que eu tô com pressa... :-)

Pequenos Céticos

Mais dia, menos dia, acaba chegando na vida de toda mãe aquele momento em que seu filho faz aquela temível pergunta:

- Mamãe?
- Sim, querido.
- De onde vieram as pessoas?
- Você quer dizer, os bebês? Bem, primeiro o homem pega o pênis e...
- Não, não. Eu quero saber das primeiras pessoas. De onde vieram as primeiras pessoas na Terra?

Fiquei perplexa. O que eu podia dizer? Eu sabia que esse momento iria chegar, mas eu ainda estava completamente despreparada. Eu ficaria feliz em falar de sexo com ele, mas evolução? Como eu poderia explicar evolução para meu filho de três anos quando eu mesma não entendia direito? Afinal, eu era produto do sistema educacional público da Carolina do Sul.

E foi aí que eu disse a pior coisa que qualquer mãe pode dizer ao seu filho quando ele pergunta sobre esse tema controvertido. Não, eu não lhe disse que nós fomos criados por Deus ou que nós fomos plantados aqui há milênios como um experimento extraterrestre. Eu lhe disse algo muito, muito pior.

- Querido, um dia os macacos viraram gente.
Não sei quanto a vocês, mas eu quase caí da rede de tanto rir quando li esse começo da introdução ao artigo de Heidi Anderson, "Skeptical Parenting: Raising Young Critical Thinkers", na Skeptical Inquiry de novembro. Afinal, eu também tenho dois filhos e nem sempre é fácil encontrar as respostas certas.

A introdução é excepcional e cria muita expectativa para o resto do artigo que não consegue manter o mesmo nível. De qualquer modo, ele é útil para pais céticos vivendo numa comunidade a-cética como a nossa.

Guitar Hero

Eu nunca me interessei muito por "joguinhos eletrônicos". Mas em dezembro passado trouxemos um Wii dos EUA junto com um punhado de jogos. Acabamos eu e meu filho ficando vic..., err..., aficionados do Guitar Hero World Tour. Já perdi longas horas brincando e cheguei num nível interessante. E, pra poder contar vantagem, resolvi publicar o nosso score. :-)

O objetivo é deixar tudo verde, mas tá cada vez mais difícil melhorar.

Camisa por dentro da calça

Faz tempo que meus dois filhos implicam com o meu hábito de vestir a camisa por dentro da calça. Como sempre, eu me divirto. Há uns dias minha filha Juliana (de seis anos) me veio com essa:

- Pai, por que é que você põe a camisa por dentro da calça?
- Por que o papai acha mais confortável.
- Por que é que você prefere o conforto à beleza?
(.... pausa pra pensar numa boa resposta...)
- Acho que é porque eu sou velho!

Pai, você tem que ser forte

Sou fã do Nerdcast, um podcast muito divertido, feito por uns nerds cariocas. Eles falam um pouco de tudo o que interessa: filmes, livros, história, jogos, etc.

O episódio 101, sobre Traumas de Infância, foi um dos mais engraçados. Melhor ainda foi uma carta de um ouvinte, lida no episódio 102, na qual ele contou um trauma da sua infância causado pelo seu pai. Eu não vou contá-lo aqui pra não estragar pra vocês. Baixem o episódio e ouçam. A leitura das cartas é logo no início do episódio.

Acontece que eu achei a história tão engraçada que fui logo contar pro meu filho. Depois de contá-la eu fiz questão de que ele a escutasse o iPod. Na manhã seguinte eu fiz a mesma coisa com a minha esposa, que não achou tanta graça. Tenho uma teoria de que as mulheres têm uma deficiência no seu senso de humor, mas isso não vem ao caso agora.

Eu estava tão empolgado com a graça da história que ficava repetindo uma frase que o pai do rapaz teria dito pra ele usando uma voz bem grave:

- Filho, você tem que ser forte. Sua mãe vai virar peixe.

Eu repetia a frase e dava risada.

Naquela manhã era minha vez de levá-los pra escola, dando carona pra um coleguinha do meu filho. É óbvio que eu não podia perder a chance de contar pra mais um e recomecei a repetir a frase no carro. Foram várias vezes.

Chegando na escola todos saímos do carro. Eu encarei meu filho mais uma vez e repeti:

- Filho, você tem que ser forte. Sua mãe vai virar peixe.

Ele me encarou e falou o seguinte engrossando a voz:

- Pai, você tem que ser forte. Essa piada já perdeu a graça.

Sorvetou!

Minha sobrinha ligou querendo falar com minha filha. Encontrei-a assistindo TV enquanto minha esposa penteava-lhe cabelos. Eu disse a ela que era a prima e entreguei-lhe o telefone. Ela colou-o ao ouvido direito e a mãe reclamou que assim não dava pra continuar penteando...

Vocês sabem o quão difícil é conseguir a atenção de uma criança de cinco anos quando ela está vendo TV, não? É pior ainda quando além dos olhos ela tem os ouvidos ocupados com o telefone.

Eu disse e repeti algumas vezes:

- Troca o telefone de lado.

Mas não adiantou. Foi só quando eu elevei a voz acima do volume da TV que ela se dignou a olhar pra mim. Eu aproveitei a chance e repeti mais uma vez:

- Troca o telefone de lado!

Ela acenou com a cabeça, indicando que havia entendido e pediu pra prima:

- Espera aí, espera um pouco...

Daí ela virou o telefone 180º e colou as costas dele ao mesmo ouvido dizendo:

- Pode falar, prima!


Enquanto eu me dobrava de rir a mãe ainda conseguiu dizer:

- Sorvetou!

Futuro Maquiavel

A dor de barriga do meu filho continuou hoje. Os exames de ontem não mostraram nada, mas ainda havia uma possibilidade de ser apendicite. Liguei pro médico e fomos vê-lo no final da tarde. Desta vez ele foi taxativo dizendo que não há mais possibilidade de ser apendicite, porque depois de 48 horas já deveríamos ver outros sintomas. O negócio é tomar canja-de-galinha e Luftal.

Enquando voltávamos pra casa fomos conversamos sobre feedback. Hoje cedo eu fui à escola pra reunião final do 4º ano. Mais uma vez saí de lá todo orgulhoso. O professor o elogiou bastante e eu confesso, com certo embaraço, que cheguei a gostar de algumas das poucas críticas, como a de que ele tem aumentado as "brincadeiras" em classe por estar-se tornando "muito popular".

Por coincidência hoje eu também fui avaliado pelo meu chefe. Aproveitei pra contar pro meu filho como foi esta experiência, explicando que a maioria das pessoas é "avaliada" a vida toda e que, embora às vezes isso seja desconfortável, é melhor tentarmos encarar as críticas como oportunidades. E blá, blá, blá... eu juro que ele estava interessado. :-)

Antes de chegar em casa, passamos na farmácia pra comprar umas coisinhas. A essa altura o papo já tinha ido fundo e eu não me lembro exatamente o que foi que eu disse que mereceu os seguintes comentários dele, que eu fiz questão de anotar num papelzinho pra não esquecer:

- Se você não sabe mentir você não sabe ganhar.
- Hein?
- A sinceridade nem sempre é o melhor caminho.
- Onde é que você leu isso, filhão?
- Eu não li. Eu raciocinei.

Pode?

Já dei uma batida no quarto dele mas não achei nenhuma cópia escondida de "O Príncipe". Não sei, não... estamos lendo juntos o "Pai Rico, Pai Pobre" e isso pode não estar sendo muito educativo. Preciso ser mais cuidadoso. :-)

Confundindo a anatomia

Ontem levei meu filho ao médico porque ele estava sentindo dor de barriga desde a noite anterior. O doutor apertou, escutou, perguntou, brincou e me pediu pra fazer uma radiografia e uma ultra-sonografia só pra descartar a possibilidade de ser um apendicite. Sempre achei que a dor de um apendicite era do lado direito mais pra baixo do umbigo e a dor que ele sentia era mais pra cima. Mas o doutor explicou que em alguns casos o apêndice fica virado pra trás, o que atrasa os sintomas e muda a posição da dor. Como ele não tinha tido febre ainda, o doutor não estava muito preocupado, mas o fato de ele estar andando meio curvado pra frente era sintomático.

Meu filho ficou um tanto encucado. Enquanto íamos pro laboratório pediu pra eu explicar o que era "aquilo que o médico falou" e eu aproveitei pra lhe dar uma aula grátis sobre A Teoria da Evolução e a Inutilidade do Apêndice.

Ele se acalmou e não falamos mais sobre o assunto. Esperamos, fizemos a radiografia, esperamos mais um tanto e fomos pra sala da ultra-sonografia. A enfermeira o deitou e nos deixou à vontade dizendo que o médico viria logo. Mas ele não veio. Demorou uns dez minutos, no mínimo.

Durante esse tempo, meu filho ficou deitado e rindo de umas piadas sem graça que eu ia contando. Mas, sua cabecinha não tinha parado de pensar "naquilo que o médico falou" e ele estava é com um nervosismo contido.

Depois de uma pausa entre uma piada e outra ele começou a apalpar a barriga.

- Tá doendo, filhão?
- Só um pouquinho, pai.

Ele foi apalpando até embaixo do umbigo.

- Pai. Onde é que fica o útero?
- Hein?
- O útero. Onde é que fica?

Cheguei a pensar que a escola estava dando aulas de educação sexual antes da hora.

- Bem... nas mulheres o útero fica aí embaixo do umbigo, onde você está apalpando.
- Qué dizê... aquele negócio que o médico falou que eu posso ter.
- Rá. É apendicite: uma inflamação no apêndice, que fica aí embaixo do umbigo, do lado direito.
- Ah. E o que que é útero?
- É onde os bebês crescem na barriga das mulheres.

Rimos bastante, até quase o médico chegar.

Depois da ultra-sonografia, fomos esperar o resultado e ficamos vendo umas revistas. Depois de uns minutos ele perguntou:

- Pai, o que é aprose?
- Hein?
- Aquilo que eu posso ter?
- É "apendicite", não aprose.
- Ah!
- Deixa eu anotar essas barbaridades que você tá dizendo num papelzinho aqui pra eu não esquecer e poder contar pra mamãe.



O Quereres

Domingão é dia de tirar o atraso do sono acumulado na semana. Se você não tem filhos, é claro. Hoje cedo (não tão cedo) a Juliana me acordou docemente, gritando:

- Quero Toddy!

Eu era o único em casa que ainda estava na cama e resolvi fazer corpo mole pra ver se alguma alma caridosa se compadecia de mim e fazia o Toddy pra ela. Mas quem já estava acordado não tinha muita razão pra se compadecer. Desconfio mesmo que o pedido da Juliana tenha sido redirecionado de outra pessoa.

Eu me fiz de morto. Eu virei pro outro lado. Mas ela não desistia. Resolvi apelar pras cócegas pra ver se ela fugia. Mas ela gostou da brincadeira e resolveu revidar. Quando as táticas de despistamento se esgotaram eu tentei uma abordagem direta e lhe perguntei:

- O que você quer?
- Quero Toddy!
- Mas eu quero ficar na cama, filha.
- Vai fazer Toddy agora!
- Filha, escuta. Você quer Toddy e o papai quer ficar na cama. Por que é que o seu querer é mais importante que o meu?
- Por... que... vo... cê... é... pai!

Saber perder

Outro dia minha filha Juliana, de cinco anos, veio até mim chorosa e reclamando que seu irmão e sua prima, mais velhos, não a estavam deixando brincar com eles. Perguntei qual era a brincadeira e ela me disse que eles estavam jogando um jogo que ela não conseguia ganhar. Pensei em aproveitar a situação pra explicar pra ela algumas coisas sobre a vida:

- Escuta, filhinha. Você tem que entender que num jogo todos querem ganhar mas só um consegue. Os outros perdem mesmo.
- Mas eles não deixam eu ganhar.
- Você tem que aprender a perder.
- Eu sei perder. Eu não sei é ganhar.

Filho de peixe...

Ontem eu estava me preparando pra por meu filho pra dormir e comecei dando a bronca padrão pra ele deixar as coisas arrumadas pra manhã seguinte. Aproveitei e mandei-o guardar um spray desodorante que devia estar no escritório mas que estava no banheiro dele. Enquanto ele cumpria minhas ordens eu fui me preparar.

Voltando do banheiro eu vi uma lanterna sobre a minha cama. A vontade de dar outra bronca chegou a passar pela minha cabeça, mas fiquei com pena e decidi eu mesmo ir guardá-la. Só que o lugar dela é na cozinha, do outro lado da casa. Saindo do meu quarto eu vi que a porta do corredor já estava fechada. Aí bateu aquela preguiça e eu resolvi deixar a lanterna na sala de TV pra guardá-la na manhã seguinte.

Depois de todas as minhas broncas, confesso que senti um certo desconforto. Era como se eu estivesse enganando meu próprio pai, adiando uma ordem direta dele. Por isso, decidi deixar a lanterna escondida atrás da TV. Coloquei-a com cuidado pra ela não rolar pro chão e já ia voltando quando notei um pequeno objeto sobre o móvel, encostado na TV. Era o spray que eu havia mandado meu filho guardar no escritório.

O danado teve a mesma idéia!

Não é incrível como os filhos podem sair aos pais?

Explicando pro meu filho

"Porque sim" não é resposta.
"Tanto faz" é uma resposta que não satisfaz.
"Pode ser" só é resposta pra você.

Consertos caseiros

Eu não me lembro de já ter visto chuva assim em Campinas. Em Florianópolis, talvez, mas já faz mais de 20 anos que saí de lá e posso estar enganado.

Tanta água acaba gerando efeitos surpreendentes. Ontem minha esposa me chamou dizendo que não conseguia fechar a porta da frente. Acho que preciso explicar, antes de mais nada, que esta porta é muito pouco usada. Usamos sempre a porta da cozinha, por ser mais prático e pra não ter que pisar na grama. (Defeitos que você só percebe depois de uma obra pronta.)

Aproveitando o tempo horrível ela resolveu retirar os enfeites de Natal. Um deles estava afixado na porta da frente. Ela abriu a porta, tirou o enfeite e não conseguiu mais fechá-la. O excesso de humidade fez a porta estufar o suficiente pra que a sua base batesse no batente da porta e impedisse o fechamento.

Eu não sou muito afeito a trabalhos manuais. Geralmente, quando eu me atrevo a consertar alguma coisa mais complicada que um prendedor de roupa acabo entrando num processo crescente de estresse e frustração que acaba me tirando do sério. Mas, como eu desconfio que esse problema deve ser decorrência mais de um bloqueio mental que de alguma deficiência motora, eu sempre encaro esses desafios com a altivez mais apropriada aos experts.

Fui até a sala e investiguei o problema. Constatei que "o que estava pegando" eram apenas os dez centímetros da parte mais baixa da porta. Todo o resto estava ok. Pensei em usar o velho truque do "força pra ver", mas fiquei com medo de levar uma bronca da minha esposa caso o resultado fosse algum estrago mais sério na porta ou no batente. E uma bronca levada na porta da sala "aberta" não parecia uma imagem confortável.

Ela sugeriu que eu ligasse pra alguém, mas aí meus brios falaram mais alto e eu decidi que tinha que tentar resolver a questão sozinho pra não passar essa vergonha. Busquei a ferramenta que uso pra quase todas estas situações caseiras: uma chave de fenda. Não que houvesse algum parafuso pra ser desatarrachado, mas eu imaginei que usando a sua ponta como um calço entre a porta e o batente eu pudesse fazer a porta deslizar pra dentro assim como uma calçadeira ajuda um pé a deslizar pra dentro do sapato.

Fiz algumas tentativas sem sucesso, mas percebi que a chave de fenda estava causando alguns sutis afundamentos na madeira da porta. Isso me deu um certo medo, mas também alguma esperança de que a idéia era boa, embora a ferramenta talvez não fosse a mais adequada.

Percebi minha esposa um tanto preocupada com minhas investidas e imagino que ela já estivesse até um tanto arrependida de ter pedido minha ajuda. Levantei-me e ela voltou a sugerir (mais fortemente) que eu chamasse alguém. Fui resoluto pra cozinha em busca da segunda opção de ferramenta: um facão. Não, eu não pretendia descascar a porta ou a soleira. Eu imaginei que a ponta do facão era mais fina e mais larga que a chave de fenda: exatamente o que eu precisava.

Avaliei mais uma vez os locais mais problemáticos da porta, coloquei a ponta do facão ao lado e empurrei com um pouco mais de força a porta. Entrou. E, melhor: consegui puxar o facão pra fora. Ainda bem que eu estava do lado de dentro da sala, pois algum vizinho poderia estranhar a visão de um cara de pijamas, pulando alucinado com um facão na mão.

Anunciei orgulhoso meu feito a todos os da casa e decretei que a porta da frente deveria permanecer fechada até que tivéssemos alguns dias seguidos sem chuva.

Relatividade e Pi

Como eu disse, ontem estive conversando com a professora do meu filho Tiago sobre o seu desempenho durante o segundo ano primário. O interessante dessas conversas é que sempre somos surpreendidos por algum aspecto da visão que os professores têm de nossos filhos. Sempre temos a ilusão de que os conhecemos melhor que ninguém, mas o fato é que eles se comportam de maneira diferente quando estão conosco e quando estão na escola.

O Tiago é um menino bastante curioso. Quase todos os meninos oito anos o são, é verdade, mas há curiosidades de vários tipos. Algumas são enervantes, como a ansiedade em que ele fica quando não está participando de uma conversa e quer saber do que estamos falando. É impossível conversar no carro sem a sua participação.

Mas há outras mais raras. Anteontem à noite, depois de lermos um pouco do nosso livro e de nos darmos boa-noite, eu achava que ele já estava entregue aos braços de Morfeu quando ele se vira e pergunta:

- Pai?
- Oi, filho.
- Por que é mesmo que o tempo passa mais devagar quando a gente viaja na velocidade da luz?

Toin! E essa agora? É o tipo de pergunta que eu gostaria de poder responder de um jeito que o estimulasse a continuar a pensar no assunto. Afinal, não é à toa que eu costumo contar histórias de cientistas e descobertas. É pra ver se ele se interessa pelo assunto. Infelizmente, essa eu não sabia responder. Acho que disse mais ou menos o seguinte:

- Não sei, filhão. O Einstein descobriu que devia ser assim e os cientistas já conseguiram fazer experiências que comprovaram que é assim. Mas eu acho que ninguém sabe "por que" é assim. Sacou?
- Mas pai...
- Vamos dormir, filhão. O papai tá com sono.

Preciso retomar o assunto quando tiver algo instigante pra dizer pra ele. Hoje cedo ele estava me perguntando sobre o Big Bang. (E eu nem me lembro direito quando é que eu falei disso pra ele antes.) Parece que eu lhe disse que antes do Big Bang não devia existir nada: nem matéria, nem energia, nem tempo e nem espaço. Mas é óbvio que esse papo não colou. Ele ficou me perguntando de que cor devia ser o universo antes do Big Bang. Pra ele, como não tem nada, devia ou ser branco, ou transparente ou preto. Conversamos um pouco e eu o convenci de que se fosse pra ter cor tinha que ser preto. Mas eu acho que nem cor tinha... ele saiu matutando. He he, espero que ele não me venha com outra que me faça cair do cavalo.

Acho importante um pai dar atenção às dúvidas dos filhos. Nossa tendência imediata é encerrar a questão pra podermos nos dedicar aos assuntos que nos interessam. Mas as dúvidas deles são uma boa pista para os assuntos que lhes interessam. Uma reação de desprezo só pode ter um efeito ruim, seja insinuar que os seus assuntos não são interessantes, ou que sua dúvidas são bobas ou que não vale a pena "querer saber", já que ninguém se interessa mesmo. Não. É preciso um pequeno esforço pra que eles sintam que é legal ser curioso e aprender.

Quando eu tinha uns 11 anos e estava na quinta série tive uma experiência marcante. Meu pai, que é engenheiro e gostava de me ensinar matemática, um dia me falou sobre Pi. Entendi os fatos básicos sobre ele ser a razão entre a circunferência e o diâmetro de qualquer círculo, mas o que me fascinou foi tentar entender como é que os seus dígitos decimais nunca acabam. Acho que eu já sabia, a essa altura, sobre dízimas periódicas, como 3,333... Mas foi difícil engolir um número que nunca acabava. Como é que os caras podiam saber?

Lembro-me de ter ido à cozinha com um carretel de linha e uma régua. Peguei uma lata de Nescau, envolvi-a com a linha e medi a circunferência com a régua. Depois, medi o melhor que pude o diâmetro. Pus os valores no papel e comecei a calcular a razão. Devo ter chegado a um número próximo a 3,1. Não me lembro se o resultado foi exato ou se me deparei com uma dízima periódica. Acontece que fiquei matutando sobre isso. É claro que eu tinha noção que minhas medições não eram exatas e que havia algum erro nos números que eu dividi.

Mas não era o erro que me intrigava. Era algo relacionado ao algoritmo da divisão. Eu fiquei pensando sobre como é que o algoritmo gerava novas casas decimais. Eu tinha que acrescentar um zero à direita do último resto e fazer mais um passo da divisão e assim sucessivamente, até que o resto do passo desse zero, quando a divisão acabava, ou que repetisse um resto já obtido, quando começava uma dízima. Não tinha outra opção: ou terminava ou começava uma dízima periódica. Caramba! Será que ninguém nunca tinha pensado nisso? Se Pi é o resultado de uma divisão, não tem como ele não ter fim.

Eu me lembro que fiquei eufórico com a descoberta. Corri pra falar pro meu pai. Tentei explicar mas tive a impressão de que ele não deu muita bola. Ele me disse pra procurar o professor de matemática e perguntar pra ele. Hoje eu acho que o que aconteceu foi parecido com o que ocorreu entre mim e o Tiago. Meu pai deve ter ficado sem resposta pra dar e preferiu repassar a responsabilidade pro professor. Talvez o ideal seria ele ter se entregado ao prazer da investigação e tentado entender o meu erro pra me explicar. Mas isso custa. Hoje eu sei.

Eu não procurei meu professor. Fiquei com medo que ele pudesse se apossar da minha descoberta e o mundo não ia ficar sabendo que eu era o responsável. Guardei meu segredo por mais uns dois anos até que, na sétima série, aprendi os fatos sobre os números irracionais e a incomensurabilidade entre o diâmetro e a circunferência. Em retrospecto, acho que não teria sido muito difícil descobrir sozinho meu erro se eu tivesse pensado mais no assunto. Eu podia ter imaginado que quanto maior o número de dígitos necessários para representar o denominador da divisão, maior a quantidade de restos possíveis e que, no limite, se o denominador tiver um número infinito de dígitos (essencialmente, se ele próprio for uma dízima não-periódica ou um número irracional), então o resultado da divisão pode perfeitamente ser assim também.

Mas foram dois anos emocionantes enquanto eu esperava ter a maturidade suficiente pra publicar minha própria descoberta.

Nem todos fazem grandes descobertas. Mas eu senti o gostinho de ter feito uma, pelo menos enquanto durou minha ilusão. Certamente esta experiência influiu positivamente nos meus interesses futuros. Gostaria que meu filho continuasse a pensar nesses assuntos interessantes e importantes. Tomara que ele possa sentir o prazer de realizar uma grande descoberta. E se for sem se iludir, tanto melhor.

Ode ao Rafa

Ontem fui à reunião de final de ano na escola de meus filhos conversar com suas respectivas professoras. Saí de lá todo orgulhoso, como convém. A professora de meu filho mais velho, Tiago, me deu um cartão de Natal que ele fizera pra família. No computador, bem bacana. Ele o escreveu em duas estrofes. A primeira é pra família:


Querida família,
Eu desejo um ótimo natal e final
de ano e um ótimo 2007 eu
quero que vocês ganhem belos
presentes.

Bastante apropriado. Mas a segunda é genial:

Razão da minha vida
A estrela do meu coração
Força que nos uni
Alegria da minha vida
Energia do universo
Lutador da humanidade
Laço da paz
Ordem do universo você é o
Rafaello.

Enquanto eu lia os primeiros versos ficava imaginando ansioso pra quem é que ele estaria dizendo essas coisas tão bonitas. (Seria pra mim? Pra sua mãe? Pra babá?) Sua professora disse que quando leu seu queixo caiu e ela lhe perguntou:

- Rafaello, o pintor?
- Não, meu gato.
- Ah... é claro...seu gato.

Acontece.